sábado, 18 de outubro de 2008

Sem lugar para os fracos


100 horas, quatro dias. Este foi o tempo que durou o seqüestro feito por um tal Lindemberg de sua ex-namorada e outros jovens. Até onde foi noticiado, foi o mais longo da história de São Paulo. Não só de São Paulo, diria eu. Durante este período a negociação foi tão longe a ponto de uma refém que havia sido libertada ter sido colocada de volta no cativeiro pela própria polícia e permitir que o vagabundo falasse ao vivo a um programa de auditório transmitido para todo o país. Quando a polícia finalmente invadiu o lugar, foi apenas porque um tiro foi ouvido. Pelo menos esta é a informação até o momento. E invadiram usando munição não-letal, a conhecida bala de borracha.

Este é o ponto. Durante toda a operação houve um total cuidado para preservar a vida dos três, inclusive do seqüestrador. Não está errado, pelo contrário, é uma atitude louvável. Mas a partir do momento que tal preocupação coloca a vida dos reféns sob grave risco, as prioridades devem mudar. Após o fato, algumas declarações do comandante dão pistas do que pode ter ocorrido. "Nós poderíamos ter dado o tiro de comprometimento (sniper). Mas era um garoto de 22 anos, sem antecedentes criminais e uma crise amorosa. Se nos tivéssemos atingido com um tiro de comprometimento, fatalmente estariam questionando por que o Gate não negociou mais, por que deram um tiro em jovem de 22 anos de idade em uma crise amorosa, fazendo algo em determinado momento em que se arrependeria para o resto da vida".

A decisão tomada de prolongar as negociações por um tempo recorde não foi feita totalmente com base na técnica, como era de se esperar, mas por um evidente medo da repercussão negativa que um tiro certeiro na testa de um jovem bandido poderia ocasionar a uma policia que já possui fama de ser extremamente violenta. O comandante não estava tentando salvar apenas os reféns e o seqüestrador, mas a instituição policial como um todo e o talvez o próprio pelego. Ele certamente previu que tal ação, televisionada para todo país ao vivo, geraria uma grande polêmica com ONGs humanitárias, jornalistas, pacifistas e cineastas, que certamente não perderiam a chance de produzir outro documentário sobre a “polícia que mata”.

Mas ser policial, pior, ser comandante ou delegado, é justamente assumir riscos e chamar a si a responsabilidade por ações arriscadas, sem considerar futuras críticas e preocupando-se apenas com fazer o serviço direito. Não estávamos lá, nunca saberemos como é negociar com um seqüestrador e nem todos somos formados em uma Academia de Polícia, mas os erros foram evidentes e o medo objetivamente influenciou todas as ações desastradas do comandante ao longo de evento. Ser policial no Brasil é coisa para poucos. Não há lugar os fracos. A cena das duas meninas saindo feridas do cativeiro e o vagabundo saindo caminhando ileso é emblemática.

Imagem: A guria que nunca deveria ter voltado ao cativeiro, sendo retirada com um tiro no rosto. Eduardo Anizelli/17.out.2008/Folha Imagem

Um comentário:

Diego disse...

Querer agradar todo mundo é uma besteira. Independentemente do que eles decidissem fazer, alguém ia dizer que tava errado.

Então, a quem ouvir? As inteligentes sugestões dos representantes dos direitos humanos? Aos especialistas nessas situações? Ou ao Zé da esquina? Tudo indica que, no caso em questão, eles quiseram agradar ao grupo errado. Opinião pública certamente não vem de pessoas treinadas e experientes, oras! (essa frase foi editada pra ficar mais sensível.. hehe)

Opinião pessoal: (eu sou do grupo 'zé da esquina') Se as chances de salvar todos são pequenas, o tiro de precisão garante, pelo menos, a vida dos reféns. Pena que esse recurso é considerado 'feio e desumano' pelo grupo que foi ouvido.