quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

A caminho de Cabul e Bagdá


Burke apresenta neste livro uma visão e uma idéia sobre a questão do islamismo radical bastante original e muito relevante. De 1991, quando chegou ao norte do Iraque para lutar com guerrilheiros curdos seguindo aspirações tipicamente juvenis até anos recentes, Jason Burke viveu no que conhecemos como “mundo islâmico”. Como correspondente de publicações ocidentais, cobriu as inúmeras guerras civis, levantes, conflitos tribais e mergulhou fundo nas questões religiosas e culturais de lugares como Argélia, Iraque, Afeganistão, Tailândia.

Indo direto ao ponto, o que ele identifica é uma militância islâmica que muito em comum apresenta com as ideologias seculares que agitaram o mundo no século passado. As motivações, as inspirações, e mesmo a iconografia são assustadoramente semelhantes a da esquerda radical e da direita linha-dura. Por ali passa aquela muito conhecida ojeriza ao que o Ocidente produziu de melhor: a modernidade e suas conseqüências, entre as quais a tolerância. Aliás, é o medo ao “mundo moderno” que vem alimentando fundamentalismos nos últimos duzentos anos.

Na página 284, quando relata sua passagem pelo sul da Tailândia em função de um levante islâmico, lhe ocorre um insight: “(...) o período de aproximadamente uma semana que passei no sul da Tailândia ajudou a esclarecer meu pensamento sobre vários pontos importantes. Descobri que a insurgência que depois do 11 de setembro repentinamente se instalara nas três províncias do extremo sul daquela nação predominantemente budista (...) tinha realmente antigas raízes históricas. Havia começado como resistência islâmica contra anexação tailandesa (...), logo se transformara em um movimento esquerdista de libertação, com uma ideologia meio marxista. O retorno a uma ideologia mais islâmica nos últimos anos era, assim, apenas a última de uma série de manifestações de um longo ativismo violento.” Segue ele considerando que este fato é comum a muitas das nações de maioria muçulmanas que hoje apresentam problemas com radicais, e conclui que “onde o Islã não disponível, como demonstraram os rebeldes maoístas do Nepal hindu e budista, pode-se quase sempre encontrar uma alternativa”. O problema, assim, não seria o Islã propriamente, senão uma militância radical baseada no Islã, carente de apoio maciço do povo mulçumano e mantida acesa pelo medo, intolerância e obscurantismo.

O livro termina com um capítulo de reflexões ancorado no atentado suicida de Londres, sua cidade natal que matou cinqüenta e duas pessoas e feriu 700 outras. Durante anos ele presenciou atos semelhantes nos cantos mais remotos do pobre e miserável “mundo islâmico”, e agora a tragédia chegara á porta de sua casa, seu refúgio entre uma incursão ao inferno e outra.

Apesar de não concordar com todas as conclusões do autor, de modo geral suas idéias são coesas e provocam questionamento no leitor. Uma leitura 100% recomendável a todos que desejam entender uma das questões mais importantes da atualidade. Recomendaria também o livro anterior do Burke, Al-Qaeda: A verdadeira história do radicalismo islâmico e Ocidentalismo, de Ian Buruma e Avishai Margalit.

Link para o espaço do autor no Guardian.

2 comentários:

Carlos Eduardo da Maia disse...

Bela dica.

Anônimo disse...

O livro vale a pena, principalmente porque foi escrito por alguém que parece realmente gostar destes países. É alguma garantia de que suas opiniões não são contaminadas por preconceitos.

Estou namorando agora obra de outro jornalista ocidental, que viveu décadas no Zimbabue até ser expulso por Mugabe. Ele ama o país e o povo do lugar, então, assim como Burke, provavelmente tem opiniões sinceras sobre o que se passa por lá. Where We Have Hope: A Memoir of Zimbabwe de Andrew Meldrum.