sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Making a Killing


Desde que saí da polícia, há uns dois meses, tenho tido mais tempo livre para leituras e um agradável ócio improdutivo. E como não tenho muito o que postar por aqui, vou tentar escrever resenhas de alguns dos livros mais interessantes. Um dos assuntos que me agradam atualmente (há um bom tempo, na verdade) é modern warfare, guerra moderna em todos os seus aspectos: logística, táticas e estratégias, equipamentos, armamentos, inteligência e, claro, o elemento humano; grupos de combate especiais, terroristas (ou insurgentes, dependendo de quem escreve) e mercenários, protagonistas deste post.

Making a Killing é de longe o melhor livro que já li sobre mercenários modernos. O autor, James Ashcroft (pseudônimo) é ex-capitão de infantaria do exército britânico, veterano com experiência na Irlanda e na Bósnia, que em setembro de 2003, depois de não se ajustar muito bem à vida “civvy” assina um contrato com a Spartan, uma PSC (sigla para private security company, ou companhia de segurança privada) que atua no Iraque e no Afeganistão sob os auspícios do Departamento de Defesa norte-americano. O livro narra sua experiência ao longo de dezoito meses conduzindo missões PSD (private security detail – guarda costas) ao longo da Route Irish, a estrada que liga o Aeroporto Internacional de Baghidad até a Green Zone (zona de segurança no centro da cidade), conhecida como a rodovia mais perigosa do mundo, com ataques terroristas diários. Também se viu responsável pelo treinamento da força de defesa iraquiana e a proteção de uma hidrelétrica.

Como é comum em relatos de guerras, o livro é cheio de momentos de tensão, adrenalina e angústia. Este, como diferencial, coloca uma enorme carga de humor. Humor negro, principalmente. Acrescente-se que Ashcroft não é hipócrita, tendo bons insights sobre o aspecto político da guerra. Não acredita que ela seja em nome da Liberdade e da Democracia, nem ele está muito preocupado em ganhar os corações e mentes. A guerra no Iraque é, em sua opinião, uma farsa. Ou pelo menos as razões que levaram a ela são. E ele é um sujeito com experiência militar e contas a pagar.

Como qualquer livro que trata sobre o aspecto privado da guerra moderna, aqui também se levanta questões sobre legalidade e legitimidade de companhias de segurança atuando em conflitos internacionais. A maioria dos agentes que trabalham para estas empresas não se vê como mercenários, preferindo a designação contractors. Até porque seus serviços são primordialmente de proteção. A natureza de seus contratos é “defensiva”. Mercenários, segundo alguns, são aqueles hired guns usados em ações ofensivas, ataques e golpes. Não é o caso, apesar de existir não poucos relatos de contractors atuando ombro a ombro com o exército regular e forças especiais (Ashcroft narra episódio em que se viu obrigado a combater insurgentes ao lado de soldados da 82nd Airborne). Sobre essa questão da legalidade, melhor desenvolver o assunto em post próprio, porque este já se estendeu demais.

Enfim, é um livro bem escrito, empolgante, polêmico. A cara da nova guerra descrita por um veterano meio louco.

Site do autor: http://www.makingakilling.co.uk/home.html

Na Amazon: http://www.amazon.com/Making-Killing-James-Ashcroft/dp/1852273119/ref=sr_1_2?ie=UTF8&s=books&qid=1225420921&sr=8-2

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Um artigo para entender o mercado de créditos

Ele é um tanto longo, então vou apenas colocar o link aos interessados. O autor, Frank Shostak, segue a Escola Austríaca de economia de Mises e Hayek. É de longe o texto mais esclarecedor sobre a questão de créditos que já li, e ajuda a elucidar as causas da atual crise e como superá-la.

O problema do crédito: o que fazer para recuperar os mercados?

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Sobre (ir)responsabilidades


Escrevi, no dia 20 deste mês no blog do Maia, sobre o seqüestro de Santo André que terminou com a Morte de uma adolescente:

O que acho que pode ter acontecido, foi o que já aconteceu no conhecido caso do ônibus 174, um governador preocupado com a repercussão que uma cabeça explodindo a duas semanas de um segundo turno eleitoral poderia ocasionar. A pergunta que deveria ser feita ao comandante e não vi ninguém fazer é se ele conversou com alguém do governo durante a negociação. Acredito que sim. E acredito que ele tenha recebido orientações.

Leio no blog do Janer Cristaldo, notícia do jornal Agora:

Governo não autorizou tiro em Lindemberg

"O promotor Antonio Nobre Folgado disse ontem que os integrantes do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais) não tinham autorização do gabinete de crise e de seus superiores para realizar o "tiro de neutralização" contra Lindemberg Alves Fernandes, 22, que matou Eloá Cristina Pimentel, 15.
O gabinete de crise era constantemente informado sobre o andamento da situação e era formado por José Serra (PSDB), pelo secretário da Segurança Pública, Ronaldo Marzagão e pela cúpula da PM.
Segundo o promotor, essas informações constam dos depoimentos de PMs e dos comandantes do Batalhão de Choque, coronel Eduardo Félix, e do Gate, Adriano Giovaninni
.”

Neste mesmo dia, além de comentar no blog do Maia e do Janer, o fiz também no blog do tucano Reinaldo Azevedo, articulista da Veja. O comentário foi lido, tenho certeza, já que ele faz questão de censurar algumas manifestações caluniosas ou de baixo nível, mas como resposta, o silêncio. Agora que parece que a tese se confirmou e foi discretamente noticiada, gostaria de ver alguma manifestação por parte deste senhor, cabo eleitoral de José Serra & cia.

Ainda no blog do Janer, fico sabendo que um Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe-SP) está pedindo que se investigue possíveis tapas que Lindemberg, o seqüestrador, teria levado da polícia pouco depois de ter sido desarmado.

A realidade deste país é a de um show de horrores. Uma menina perdeu a vida por causa de pudores eleitorais de um político inescrupuloso, e se preocupam em investigar policiais por tapas no maníaco homicida!

Mas que diabo!?

Notícia na Folha: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u461212.shtml

Imagem: muita gente vai tentar lavar as mãos. mas este tipo de mácula não desaparece fácil.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Estrela cadente


Entre Fetter e Marroni, deu o primeiro. Mas não existem realmente grandes diferenças entre os dois candidatos. Aquela social democracia feijão com arroz que o Brasil adora. Diferenças, só percebo duas: o discurso, com Marroni tentando encarnar o espírito esquerdista latino-americano (salientando sempre ser amigo do Lula) e o Fetter, tentando soar como mais “sério” e “intelectual”. A outra diferença, determinante na minha opinião, é o partido.

À diferença do partido do Fetter, o PT de Marroni arrasta uma carga ideológica bem mais pesada. O povo associa com MST, Via Campesina, CUT, assistencialismo barato, Hugo Chavéz e Evo Morales. Enfim, mesmo que na prática pratiquem políticas semelhantes no que diz respeito à economia, o discurso, as alianças e as idéias do PT ainda são daquela esquerda que desmoronou em fins do século passado.

As pessoas não votaram no Fetter. As pessoas votaram contra o PT. Nem ao menos devem ter algo contra o Marroni. Pelo menos, eu não tenho.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Para pobres


Meu país inova em questões de segurança pública. Recentemente causou furor entre a classe política do país um suposto uso indiscriminado e abusivo das famigeradas algemas. Explico. Durante décadas foi um procedimento policial regular, por questões de segurança, algemar suspeitos durante deslocamentos ou averiguações nas delegacias e quartéis. Não deveria suscitar polêmica, como, aliás, nunca suscitou. Sempre foi aceito como uma conduta normal e atitude de bom senso. Claro, muitas vezes o suspeito está calmo e não apresenta ímpeto violento, mas a orientação é sempre no sentido de não arriscar. E também para evitar que se pense que um ou outro está, de alguma forma, sendo beneficiado por não estar devidamente grampeado. Uma questão de equidade.

Como disse no início, nunca suscitou polêmica, até que... Até que resolveram prender um conhecido banqueiro e, como de costume, fizeram-lhe sentir o aço frio dos grilhões da lei. Foi o suficiente para desencadear uma onda de indignação e raiva entre a elite política nacional. Empatia é um sentimento poderoso. Se alvoroçaram esses pavões e logo começou pressão no sentido de regular o uso desse instrumento detestável, as algemas. E assim foi.

"Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado". Ou seja, algemas agora é caso de exceção. Primeiro, o diálogo e o bom entendimento. Depois, talvez, algemas. Com autorização por escrito do meliante, fique claro.

Na prática a medida torna o uso das algemas proibitório. O agente, mesmo sofrendo “de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros” terá de prestar esclarecimentos em juízo sobre a ação, pois o advogado do vagabundo não perderá a oportunidade de ouro de questionar a legalidade do uso do equipamento, e quem sabe até conseguir a anulação da prisão. Mais fácil simplesmente calçar o vago na ponta da arma e torcer por um passeio tranqüilo. Ou fazer como estes PMs de Brasília fizeram, jogando o sujeito no porta-malas. Mas aí o prato cheio é para ONGs humanitárias. Enquanto era o traficante, o estuprador, o assaltante, o chinelão ali da esquina a ser grampeado sem problemas. Merecido! Foi só chegar até os excelentíssimos...

Algemas é coisa pra pobre.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Retrocesso militarista


De todas as instituições nacionais que detesto, o serviço militar obrigatório ocupa lugar de destaque. Obrigar, por força de lei, um guri de 18 anos a aprender o ofício de matar em combate sempre me soou um conceito medieval. Ainda que não somente pela violência inata do oficio, a idéia de que o Estado pode tomar um ano da vida de um cidadão para este cumprir tarefas que não lhe interessam já é absurdo o suficiente.

Na prática, o serviço militar só é obrigatório no Brasil para quem realmente deseja passar um ano sob jugo de milicos ou para infelizes que não tiveram sorte de escapar da tropa por excedente de contingente. Todo ano, a gurizada que apresenta problemas de saúde ou simplesmente cai no excedente pode continuar a vida normalmente, fato que não agrada muita gente “lá de cima”; quanta mão de obra perdida, quanta doutrinação passou em branco!

Mas os bons tempos estão acabando, a depender de alguns desses “lá de cima”: existe um projeto para tornar o serviço obrigatório em obrigatório de fato. Não li muito a respeito, mas parece que tal projeto prevê que aqueles que não cumprirem o serviço militar compulsório serão obrigados cumprir “serviço social obrigatório”. Serviço social obrigatório? Procurei por algo que esclarecesse o que seria isso no google, mas não logrei êxito. O que encontrei foram algumas declarações do mentor da grande idéia, Mangabeira Unger. Seguem trechos:

Quem não prestasse o serviço militar obrigatório --homens e mulheres-- prestaria o serviço social, de preferência em uma região do país diferente da que se originasse. E receberia treinamento militar rudimentar para compor uma força de reserva mobilizável em circunstâncias de necessidade". OK. Por partes. É muita novidade para poucas linhas. Mulheres atualmente não estão sujeitas a serviço militar obrigatório, mas parece que pretendem mudar isto. Parece que mulheres serão obrigadas a escolher entre o serviço militar ou o serviço social obrigatórios. Pior, ainda serão mandadas para algum grotão distante de seu lar. E, mesmo prestando um serviço não militar, ainda assim receberá o treinamento militar!

Se o serviço não é militar, quem dará este treinamento? E que doutrina será aplicada? Vamos treinar uma milícia civil em guerrilla warfare para emprego em alguma guerra fratricida? “Força de reserva mobilizável” certamente me remete a algo como força militar não-regular, uma guarda civil provisória das nossas antigas revoluções. E doutrinação ideológica não está descartada, segundo matéria da ZH: “A proposta é associar à educação militar dos jovens o ensino técnico e orientação civil. Ele não especificou como funcionaria essa orientação civil.”. Alguém lembra de OSPB?

Parece que a turma de 64 fez escola...

Imagem: "Eles querem você". Peguei daqui.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

A inquebrantável vontade humana


Como dizem alguns, as leis do mercado são inexoráveis. E mercado nada mais é do que uma das manifestações da vontade humana. Proibições e restrições a esta vontade devem ser sempre um último recurso, quando não há mais nada a fazer e quando desta medida não surgir um problema ainda maior, que é o que normalmente acontece.

O caso das drogas é exemplar. Drogas são prejudiciais à saúde e ninguém nega ou desconhece tal fato. Mas muito mais prejudicial do que as drogas em si é o crime organizado que vive as custas da proibição do comércio destas substâncias, e isto também ninguém nega ou desconhece. E, no Brasil, tal proibição se limita apenas à venda de entorpecentes, não ao seu uso, em um flagrante equívoco dos legisladores sobre como o mundo funciona. Você pode consumir a droga que quiser, mas aquele que tentar te vender estará cometendo crime de tráfico de drogas, cuja pena é uma das mais altas previstas em nosso Código Penal*.

A questão me veio à mente lendo uma notícia australiana onde o governo, muito preocupado com o bem estar de seus aborígines que descobriram o álcool e seus excessos, optou por proibir o consumo da bebida. Lei Seca. Devem ter pensado que no território selvagem, entre pessoas primitivas, tal proibição teria, pela primeira vez na longa história mundial da Lei Seca, sucesso. Quanta ingenuidade. Os nativos descobriram que cheirar gasolina induz a um estado embriaguez semelhante ao do álcool, mas pelo jeito muito mais ofensivo à saúde do usuário. Pela lógica adotada pelos homens do Estado, o próximo passo é proibir também o comércio da gasolina. Lógico.

*Outra curiosidade foi que a nova lei de drogas instituiu a figura do “financiador do tráfico”, cuja pena é maior do que a do vendedor, ignorando que o maior financiador é justamente o consumidor, razão de existir de um traficante.

A notícia na Folha: Aborígenes australianos cheiram gasolina por causa de "lei seca"

Imagem: Aborígene australiano, que Jared Diamond em sua obra Armas, Germes e Aço considera um dos povos mais criativos. Retirada daqui.

sábado, 18 de outubro de 2008

Sem lugar para os fracos


100 horas, quatro dias. Este foi o tempo que durou o seqüestro feito por um tal Lindemberg de sua ex-namorada e outros jovens. Até onde foi noticiado, foi o mais longo da história de São Paulo. Não só de São Paulo, diria eu. Durante este período a negociação foi tão longe a ponto de uma refém que havia sido libertada ter sido colocada de volta no cativeiro pela própria polícia e permitir que o vagabundo falasse ao vivo a um programa de auditório transmitido para todo o país. Quando a polícia finalmente invadiu o lugar, foi apenas porque um tiro foi ouvido. Pelo menos esta é a informação até o momento. E invadiram usando munição não-letal, a conhecida bala de borracha.

Este é o ponto. Durante toda a operação houve um total cuidado para preservar a vida dos três, inclusive do seqüestrador. Não está errado, pelo contrário, é uma atitude louvável. Mas a partir do momento que tal preocupação coloca a vida dos reféns sob grave risco, as prioridades devem mudar. Após o fato, algumas declarações do comandante dão pistas do que pode ter ocorrido. "Nós poderíamos ter dado o tiro de comprometimento (sniper). Mas era um garoto de 22 anos, sem antecedentes criminais e uma crise amorosa. Se nos tivéssemos atingido com um tiro de comprometimento, fatalmente estariam questionando por que o Gate não negociou mais, por que deram um tiro em jovem de 22 anos de idade em uma crise amorosa, fazendo algo em determinado momento em que se arrependeria para o resto da vida".

A decisão tomada de prolongar as negociações por um tempo recorde não foi feita totalmente com base na técnica, como era de se esperar, mas por um evidente medo da repercussão negativa que um tiro certeiro na testa de um jovem bandido poderia ocasionar a uma policia que já possui fama de ser extremamente violenta. O comandante não estava tentando salvar apenas os reféns e o seqüestrador, mas a instituição policial como um todo e o talvez o próprio pelego. Ele certamente previu que tal ação, televisionada para todo país ao vivo, geraria uma grande polêmica com ONGs humanitárias, jornalistas, pacifistas e cineastas, que certamente não perderiam a chance de produzir outro documentário sobre a “polícia que mata”.

Mas ser policial, pior, ser comandante ou delegado, é justamente assumir riscos e chamar a si a responsabilidade por ações arriscadas, sem considerar futuras críticas e preocupando-se apenas com fazer o serviço direito. Não estávamos lá, nunca saberemos como é negociar com um seqüestrador e nem todos somos formados em uma Academia de Polícia, mas os erros foram evidentes e o medo objetivamente influenciou todas as ações desastradas do comandante ao longo de evento. Ser policial no Brasil é coisa para poucos. Não há lugar os fracos. A cena das duas meninas saindo feridas do cativeiro e o vagabundo saindo caminhando ileso é emblemática.

Imagem: A guria que nunca deveria ter voltado ao cativeiro, sendo retirada com um tiro no rosto. Eduardo Anizelli/17.out.2008/Folha Imagem

domingo, 5 de outubro de 2008

Contra Deus, a sociedade, o mundo, e todo o resto


Foi em 91 ou 92, não tenho certeza, com uns 14 anos quando na casa de um amigo ouvi algo que influenciaria minha vida até a idade adulta. A casa dele tinha antena parabólica e ele conseguia captar sinal da MTV, um canal “só de música!” que a gente assistia entre uma partida de Master System e outra. E lá estávamos nós atirados nas almofadas da sala quando outro vídeo começava.


Um som estranho, meio fantasmagórico, um bando de cabeludos no meio de um deserto com guitarras pontiagudas, fogo e, o que me pareceu completo absurdo, um Cristo pregado na cruz usando uma máscara de gás. Um som de explosão seguido do que parecia ser uma locomotiva desgovernada e o próprio Belzebu começou a berrar coisas incompreensíveis.


-Credo! Que isso?! Perguntei, um tanto chocado.

-Sepultura, acho. Legal né?


De fato, legal pra caralho. Na época eu escutava basicamente o que meus pais escutavam, já que meus amigos não perdiam tempo com música. Coisas tipo Michael Jackson, Beatles, Jean Michel Jarre (alguém lembra?), Freddy Mercury e toda aquela safra dos anos 80. Além do que, ainda tinha certo tato no que dizia respeito à religião, Deus e assuntos metafísicos, os quais minha mãe é um tanto sensível.


Mas não deu pra segurar, pedi pro pai comprar o vinil do tal Sepultura, cuja capa já era por si só assustadora – uma montanha bizarra com olhos, bundas, stonehenge, cadáveres e um cérebro sendo assado no alto, de cuja fumaça se vislumbrava formas fantasmagóricas. Simpático.


- Isso deve ser porcaria, Júnior! Tu já ouviu essa coisa?? Perguntou um pai meio indignado, meio preocupado, em alguma loja de discos.

- É legal, pô. Não tem nada demais...


Ele cedeu sem maiores problemas, como normalmente acontece, e comprou o disco. Mas não sem algum comentário do tipo “tua mãe vai me matar”. E, bom, ele não estava totalmente errado.


Heavy Metal não tem graça escutar em volume civilizado, ou seja, baixo. Ponto. Como sentir o som do pedal duplo no peito e apreciar riffs de guitarra fodões sem o impacto de um áudio poderoso? Enfim, logo na primeira tocada do disco, lembro da mãe aparecer com um olhar meio assustado na porta do meu quarto no nosso antigo apartamento, enquanto Max Cavaleira urrava contra Deus, a sociedade, o mundo, e todo o resto.


-Júnior!! Que isso? Que gritaria é essa?

-Hã...... Sepultura?


Eu não era o guri mais rebelde do mundo. Na verdade, ficava constrangido em escutar aquele som sob o mesmo teto da mãe. Era um negócio blasfemo, anticristão, cheio de ódio e subversivo em todas as modalidades imagináveis. Era como ser pego com uma revista de mulher pelada no ato.


Adolescência. Acho que foi meu primeiro ato de adolescência, chocar o povo da casa com Heavy Metal (e ficar constrangido com isso!). O segundo foi me declarar ateu pra minha mãe. Daí a começar a usar roupas escrotas, parar de tomar banho (grunge legítimo), deixar crescer uns pentelhos na cara que em nada lembravam barba e raspar a cabeça (júnior! Que horror! Parece que fugiu de um hospício!) foi um pulinho de nada.


Em pouco tempo, as paredes do quarto estavam cobertas com pôsters, eu tentava (inutilmente) aprender a tocar guitarra e vivia plenamente as confusões criadas por um comportamento auto-destrutivo e auto-depreciativo provocadas por algum desequilíbrio químico em meu jovem organismo. Oh, adolescência!


E tudo isto porque agora a pouco, flanando pelo Youtube, tropecei por acaso naquele deserto onde jaz o Cristo crucificado e mascarado contra gás.


Obliteration Of Mankind

Under A Pale Grey Sky

We Shall Arise...